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Pensamentos sobre vocação


Por Renato Vidal 
Psicólogo (CRP 134146)

 

     Os motivos que levam uma pessoa a procurar ajuda de um psicólogo são diversos, mas há alguns que parecem ser essenciais, como por exemplo a ansiedade, que pode se manifestar de várias formas e ter diagnósticos diferentes. Outro exemplo, que é bem comum e que vejo poucas pessoas falando, é a vocação, que é o tema de meus pensamentos hoje.

     

     Em consultório, ainda nas primeiras sessões, percebo um desconforto de alguns pacientes quando eles falam em trabalho, estudos, concursos e vestibulares. Para mim, parece algo indireto, como se o paciente descrevesse o que lhe causa a perturbação e ele mesmo não percebesse o que realmente é, não se ouvisse. Fala de um “não sei o quê perturbador”, algo que não está certo ou em sintonia com si mesmo. Esse tipo de discurso parte tanto do estudante que quer prestar um concurso ou vestibular, quanto do próprio indivíduo que já passou por essas etapas.

 

     Outros já sabem bem o que é: “Sou advogado, mas queria ser engenheiro”. “Sou engenheiro, mas queria ser nutricionista”. E por aí vai. E por que não mudar? O que lhes impedem? “Sou velho para voltar a estudar”, “quem vai sustentar minha família?”, “eu não tenho tempo de fazer outro curso”, etc.
Há também os casos em que a vocação individual é ignorada por pais ou outros importantes. “Queria ser veterinário, mas meu pai me obrigou a estudar computação”.

 

     Quando ajudamos alguém a escolher uma profissão, a vocação é um dos elementos que devem ser analisados pelo candidato. Ele também deve avaliar o status que a profissão lhe traz, o mercado e a remuneração. Status é importante para muitos e estudar ou trabalhar com algo que não tem mercado e/ou que remunere pouco pode colocar a vocação em xeque. Deve haver, pois, um equilíbrio entre esses elementos.

 

     Quando comecei meu curso de Psicologia, tinha 59 colegas em sala de aula. No segundo período, creio que um terço da turma tinha desistido. Pelo que me lembro, éramos um pouco mais de vinte na turma que concluiu. Em Medicina, raramente alguém desiste. O que acontece?

 

     Simples: Psicologia e Medicina são profissões que têm mercado, status e remunerações muito distintos. Um médico recém-formado tem um status muito mais elevado, um mercado bem melhor e chances de ser bem remunerado com larga vantagem em comparação a um psicólogo. Isolei, então, a questão da vocação, que foi o que me segurou, junto com alguns colegas, no curso de Psicologia. Em Medicina, aqueles que não têm vocação para a área, permanecem no curso. O status, o mercado e a boa remuneração, além da maior dificuldade de passar em um vestibular, seguram o estudante da nobre arte de tratar os enfermos, mas aos trancos e barrancos. Poderá até ser um médico bem sucedido, mas se não há vocação ele fará parte daquele triste grupo de pessoas que começa a trabalhar já calculando quando chegará à aposentadoria.

 

     Esse é também um dos motivos que muitos se recusam a prestar concursos públicos. Eles oferecem segurança e a garantia de um futuro para si e para a família. Mas alguns dizem que não têm vocação para aquilo e resolvem partir para outras áreas, seguindo o que sua vocação lhes diz, considerando logicamente a questão de oportunidades no mundo “incerto”.

 

     De uns anos para cá, psiquiatras e psicólogos vêm falando muito sobre uma síndrome de Burnout que, em suma, é um quadro de estresse agudo que tem relação com o ambiente de trabalho ou estudo. Vários são os elementos estressores nesses ambientes, desde problemas de relacionamentos com colegas, passando pelo bullying e chegando até aos assédios morais e sexuais. E quando um paciente fala que não suporta o seu trabalho e apresenta sintomas da síndrome, embora goste da remuneração, tenha boas relações com os colegas e que o ambiente é saudável? Será que ele ignorou sua vocação?

 

     Em escolas, mal vejo programas de orientação profissional. O máximo que já vi foram aplicações de testes padronizados que dizem coisas sobre o jovem que muitas vezes o próprio jovem não concorda. O estudante perde aí a oportunidade de se conhecer, avaliar suas vocações, potenciais e limitações. A partir daí é que deveriam vir as avaliações do mercado, status e remuneração.

 

     Aí é a área dos psicólogos. Como estamos lidando com isso? Estamos divulgando bem o nosso trabalho? Será que só quem tem um bom acompanhamento de orientação profissional é o cliente particular e alguns poucos grupos que temos a rara alegria de ver nas escolas e universidades? Acho que a Psicologia tem as ferramentas para isso. Basta os psicólogos apresentarem-nas com mais frequência.

 

Outubro de 2014

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